QUEM TEM MEDO DE DOMINGO A NOITE?

Originalmente postado em 27/04/2009 – 00:52

Hoje é domingo, pé de cachimbo.

Na verdade hoje foi domingo, porque domingo a noite não pode mais ser considerado domingo, muito menos fim de semana. Ou pode? Fim de domingo pode ser pior que segunda-feira se a gente bobear. Aguardamos o famoso sofrimento por antecedência, da nossa famosa ignorância que insiste em viver com a cabeça lá na frente, bem no futuro, bem longe da única coisa que exite que é o agora. Fim de domingo pode ser ruim porque a gente se preocupa. A gente se pré-ocupa. Trata logo de se ocupar de coisa que nem está acontecendo.


Por isso vou tentar fazer o contrário hoje. Não vou pensar em 12 horas para frente. Vou pensar em 12 horas para trás.

Acordei tarde, justamente porque é domingo. Sunday. No dia do sol, o dono compareceu como se fosse dia de festa. Amarelão, exibido e com os raios empinados, como se tivesse passado gel numa juba quente. Tratou de animar meia dúzia de vizinhos sedentos por um bronze na lage e por uma música bem alta que alardeou o quarteirão. Era o primeiro sinal que avisava: hoje é dia de o ser humano se lembrar de que é um animal que vive em bandos.

Dormi torta de novo! Esse travesseiro ainda acaba comigo. Opa, o travesseiro não é meu, é da minha mãe. Percebi que não amanheci em casa. A dona da casa foi se encontrar com o dono do dia em algum lugar.

Levantei e num rolê até a cozinha me lembrei de como apartamento de mãe tem cheiro de apartamento de mãe. Meio planta, meio produto de limpeza e meio alguma coisa impossível de descrever porque está gravado na memória desde os tempos do útero, quando ainda não existia linguagem. Era sensação de cobertor quente com migalha de panetone, antes de eu ter provado qualquer uma dessas coisas. Sentei na mesa. Duas torradas com geléia depois, desci e andei para casa.

Os seres humanos do bairro iam se aglomerando cada vez mais e mais rápido. Era possível perceber espaços desertos nas ruas entre esporádicas concentrações de carros estacionados, todos juntos.  Era um silêncio intenso que rondava as casas e os prédios do caminho. “Tanto respeito em nome de que?”, pensei. Do céu azul royal que me descola violentamente as paredes dos pulmões de tantos suspiros que me arranca ao subir a ladeira? Devem existir muitas avós de seres humanos que cozinham massas imperdíveis e dignas de silêncio neste bairro. Imagino que hoje também seja dia de missa. Mas não era isso. Assim como os carros se aglomeravam e deixavam espaços em branco nas ruas, gritos simultâneos ressoavam nos espaços vazios entre as casas e os prédios. Há uma sincronia, pensei. Existe alguém regendo a orquestra. Alguém que chuta uma bola em algum lugar.

Minhas amigas estão juntas num parque. Elas se aglomeram num gramado, sentadas sobre um tecido e jogam conversa fora. Me aglomerei por alguns minutos para rir junto, até que elas resolveram ir embora para se aglomerar com as respectivas famílias em algum outro lugar.

Voltei para o apartamento com cheiro de torrada e comi um almoço. Imagino que esse era bem melhor do que aquele que eu comia pelo cordão umbilical. O que era aquilo? Sangue? Hoje é carne de panela com salada de erva-doce. Bem melhor.

Voltei para o apartamento com cheiro de gatos aglomerados e louças sujas aglomeradas. Eliminei a segunda parte e me aglomerei com a primeira parte. Fiquei ali por algumas horas, esperando o dono do dia se despedir. Desgastado, o anfitrião foi sumindo lentamente ao longe por trás do desenho das montanhas verdes. Antes de sumir completamente, fez um último alarde com vermelhos e laranjas. Quando finalmente cansou, foi apagando, apagando, e cedendo lugar `a pequenos pontinhos de luz que foram se aconchegando no céu, um a um, aglomerados. Fiquei esperando a dona de amanhã. Amanhã é Moonday. Mas me lembrei que hoje ela não vem. Está tão gamada no dono de domingo que ficou ofuscada pela juba com gel.

Sumaré, SP, 2009.

Espero que todos tenham uma ótima semana, vivendo um dia de cada vez, se possível ; )


15 Comentários on “QUEM TEM MEDO DE DOMINGO A NOITE?”

  1. valentininhaa disse:

    Háaa!
    Eo odeio domingo, Lú!
    rsrsrs

  2. Rafa disse:

    ai, luisa, como seus textos me fazem bem!
    volto sempre. já voltava lá e continuarei voltando aqui!
    beijos e obrigado!

  3. Daniel Miranda disse:

    Parabéns Luisa… Eu passei a ler você nesse novo blog, pq te sigo no Twitter.

    Você é D+… Eu torço para que você escreva um livro tbm, quem sabe um dia? Pois tu escreves muito bem, na verdade, domina bem a escrita, continue assim, bjo e abs, sucesso sempre!

  4. Carl disse:

    NOSSA, FIZ UMA VIAGEM AQUI IMAGINANDO CADA DETALHE DESTE DOMINGO PERFEITO. ÓTIMO TEXTO!!!
    ÓTIMA SEMANA PRA VC MOCINHA LINDA!!!

  5. PryCooper disse:

    Querida Luisa adoro vc de montão.. adoro tudo o que vc escreve, inclusive isso vc sabe fazer muito bem. Tem dom pra isso. E amoo suas expressões diárias sobre todos os fatos q sejam , e me identifico muito!! Te sigo no twitter!! Gostaria q vc participasse mais ainda!! Todas as horas… no mínimo… alegra nosso dias com suas sábias reflexóes… AHHH e eu tb acho o Domingo super estranho.. kkkkkkkk
    Um beijo grandeeeeeee

  6. Antecipação nunca foi meu forte. Mas a depressão trazida pelo domingo a noite é inegável, inimputável. Apenas sentimos, inconscientes.
    Viver o passado não é a solução, mas poupa-nos de momentos que podem ser piores.
    Assim façamos, pensemos no quão felizes fomos e o quão mais felizes podemos ser e como alcançar tal dádiva.
    Ótima semana para ti garota. Seja feliz e sorria. Tens um belíssimo sorriso.
    😀

  7. mario disse:

    pede cachimbo e pede também uma cachaça boa. pede música chiada de vinil e luz fraca. definitivamente não pede segunda.

  8. eder disse:

    Domingo à noite é sinônimo de musiquinha da vinheta do Fantástico…

  9. sydney disse:

    Mrs. Leatherface!! haahhah

    Domingo poderia ser considerado o dia do craque da preocupação mesmo ahaha mas eh curioso a energia que o domingo tem, assim como o natal tem, o ano novo tem, o carnaval etc. Vai saber que se deve ao poder de viver em bando ainda hahah

    Agora a coisa mais gratificante é ter um dia centrado, energia focada, sentir o tesao da realidade percorrendo por todo corpo!
    Existe tantos autores/mestres/etc que falam sobre o Agora, mas um que realmente me fascinou – nao sei se vc conhece – qlqr dia procure no utube “Mooji” 🙂

    “Não existe vida após o Agora” highlander.

    bjs

  10. Veronica Cristina disse:

    amei o seu texto, muito bom.
    me senti até melhor só de ler

    bjos

  11. Pri disse:

    Olá

    Eu sei que é estranho e que eu cantei errado a vida toda também…
    Porém a Música é “Hoje é domingo pedi cachimbo”

    Pedi de pedir, dá pra acredita???!!! Não é pé…CRUEL kkkkk

    Bjin

  12. teve um menino aqui num comentário q perguntou pq vc não publica um livro. Não seria algo a se considerar para 2010?… mas domingo de noite é aflitivo mesmo! quando vai chegando a tardinha, o sol se pondo, é q vc tem a sensação de puxa! acabou, há os sociólogos de plantão q dizem q isso é pq o brasileiro não gosta de trabalhar, enfim. Mas Sexta à noite e final de tarde no domingo são de fato emblemáticos!

  13. PEDRO PAULO disse:

    Domigo a noite traz depressão porque é um dia em que você se encontra consgio mesmo. Vem a tona a questão da existência, ligada a uma previsão do futuro incerto. Traz a certeza de que estamos de passagem. Que mais uma etapa foi cumprida. Tudo isso fervilha dentro de nós.
    Quanto mais materialista formos, nos sentiremos vazios por dentro. Como sempre somente Deus é a solução.


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